quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Somos todos Birdman



"Birdman: A Inesperada Virtude da Ignorância" é um filme de 2014 dirigido por Alejandro Gonzáles Iñárritu. É o décimo primeiro filme desse diretor mexicano de nome engraçado e cheio de acentos.
Dos 6 prêmios que o diretor recebeu no cinema ao longo da vida 4 se devem a Birdman, incluindo o badalado Óscar de "Melhor Filme", consagrado em 2015.
Mas não é sobre o cinema que vamos falar e sim o que esse filme pode falar sobre nós.
Primeiro uma breve descrição da sinopse: Riggan Thomson (Michael Keaton) é um diretor e roteirista de teatro que, tempos atrás, foi um ícone pop de um filme de super-herói, interpretando Birdman. O filme explora a mente de Riggan em sua busca por fazer algo que considera "artisticamente relevante", tentando se desvinciliar da figura que lhe deu fama.
O filme mostra muito bem o nosso desespero paranóico de passar essa vida e deixarmos uma boa impressão.
Ele queria ser grande, queria ser profundo, queria ser admirado por pessoas cultas e ver seu nome respeitosamente comentado nos cafés, com gente chique e intelectual. Quem não quer isso?
Seu medo era de passar a vida sendo lembrado como uma moda passageira, uma diversão, um entretenimento "vazio". Seu medo era ser eternamente lembrado como o Birdman.
Apesar de não fazer mais o papel de Birdman, Birdman o perseguia, conversava com ele. ERA ELE.
O filme não toma posições, não diz, ao menos explicitamente, se é certo ou errado isso tudo. Se é um problema de aceitação e crise de pedantismo. O filme apenas nos coloca um espelho. Riggan Thomson pode ser qualquer um de nós.
Eu posso apostar que você fica melancólico toda vez que faz uma avaliação de sua própria vida. Que você olha os anos passados e conclui, com tristeza, que não construiu nada suficientemente memorável e realmente relevante para o mundo. Você não é o único. O desejo de deixar uma marca na verdade é algo mais comum do que se imagina, está presente em todo homem. Temos um desejo que não se sujeita ao tempo de uma vida, o filósofo alemão Schopenhauer diz que isso é o "suspiro da Espécie". Do ponto de vista cristão podemos interpretar como um resquício da "Queda de Adão" e uma vontade incontrolável de "voltar ao Paraíso", de sentir novamente a imortalidade. É uma "vontade de Infinito", como bem diz Ratzinger, e uma fome de "Coisas Eternas".
Queremos ser lembrados pois queremos ser eternos. Odiamos a finitude, odiamos a morte, odiamos o esquecimento. Também odiamos ser frutos de coisas passageiras, odiamos ser uma peça vazia perdida no tempo, queremos relevância e substância. Queremos não apenas uma memória, mas uma boa memória. Queremos que o mundo tenha uma lembrança construtiva de nós. Queremos ser admirados o tempo todo, e nos frustramos quando nossa consciência nos trás o espelho e vemos que ainda estamos vestidos numa fantasia ridícula de Birdman.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Sobre Brief Encounter (1945) e as Escolhas que Fazemos na Vida


Brief Encounter é um filme britânico de 1945 dirigido por David Lean, o mesmo diretor de Lawrence of Arabia, Doctor Zhivago e The Bridge on the River Kwai, e roteirizado por Noël Coward.
A história é centrada em Laura, uma mulher casa e com filhos que se apaixona por um outro homem, Alec, também casado e com filhos.
Essa história é baseada numa peça escrita pelo próprio roteirista Noël Coward chamada Still Life.
O filme ganhou o Grande Prêmio do Festival de Cannes de 1946 - equivalente nos dias de hoje à Palma de Ouro - e é até hoje aclamado pela crítica.
O filme é muito admirado pela sua fotografia em preto-e-branco e a atmosfera criada na estação de trem mas o tema do filme é o que é mais discutido, a questão do "amor proibido". Muitos deduzem que a história desse filme, que é uma história de adultério, seja na verdade uma representação alegórica das experiências de Noël Coward, que era um homossexual. Coward foi incluído no "livro negro", lista preparada pelos nazistas que incluía pessoas que deveriam ser presas e assassinadas após a conquista do Reino Unido.
Sendo ou não uma alegoria da sua condição o que torna esse filme um clássico é a maturidade que é trabalhada no tema do "amor proibido". Temos aqui uma mulher divida entre o impulso de uma paixão, um romance novo, renovado, que faz ela sentir-se jovem (bem ao estilo Madame Bovary de Flaubert) e um casamento, com filhos, uma história toda que foi construída conjuntamente com um bom marido - coisa que não é nem de longe dispensável, como os mais modernos e progressistas querem que seja.
Se ela optasse pela família e simplesmente ignorasse seus sentimentos, teríamos um filme moralista. Se ela optasse pela paixão e ignorasse a família, teríamos um filme infantil, romântico, bobo. A todo momento vemos uma personagem andando numa corda bamba; quando achamos que ela vai tombar para um lado, eis que ela cai do outro.
Eis que um filme se mostra maduro. Sobre escolhas e decisões não há nada que nos distancie de um implacável sacrifício. Precisamos sacrificar uma vida para viver outra, não há atalhos, não há soluções. C'est La Vie.


sábado, 21 de novembro de 2015

O Enigma de Kaspar Hauser e o Enigma de Herzog


O Enigma de Kaspar Hauser de Werner Herzog é um daqueles filmes que planta em nossas cabeças algumas sementes de reflexão.
Dirigido em 1974 o filme conta a história real de uma misteriosa criança de nome Kaspar Hauser que foi abandonada numa praça em Nuremberg. Essa criança teria vivido toda sua vida em uma masmorra, sem contato humano, sendo alimentada apenas com pão e água e, supõe-se, que ela teria ligações com a família real de Baden.
Essa história pode ser analisada sobre um clássico paradigma sociológico de aculturação.
Geralmente ela é usada como exemplo para que possamos refletir sobre o que sobra de nós se formos despidos de toda nossa linguagem, cultura e contato humano.
Werner Herzog no filme conta essa história mostrando como os símbolos de nossa civilização são frágeis perante alguém que não foi educado para aceitá-los.
Mas o que sesse filme tem a nos ensinar além disso?
Quando vemos Kaspar Hauser, em sua ingenuidade, colocar a lógica, a religião, a filosofia e a ciência como um objeto de análise crítica e reflexão percebemos que o enigma não é apenas Kaspar Hauser mas também a nossa própria estrutura civilizacional.
Afinal, o que nossa religião, nossa ciência e nossa lógica tem a dizer sobre Kaspar Hauser e o que Kaspar Hauser tem a dizer sobre nossa religião, nossa ciência e nossa lógica?
Durante esse processo de descoberta, dos dois lados, Werner Herzog dá mordiscadas naquele mito filosófico do "bom selvagem" de Rousseau e vai enfatizar o contraste entre o primitivo "puro" e o civilizado "corrompido". De um lado temos a singelidade de Kaspar decifrando o enigma da sociedade. Do outro, temos uma sociedade que, em toda sua brutalidade científica, precisa dilacerar e dissecar o corpo de Kaspar Hauser morto para decifrá-lo.
Essa visão "rousseauniana" de Herzog pode ser muito bem explicada numa circunstância pós-Segunda Guerra.
A propaganda nazista que se dizia maior representante da civilização serviu, no final das contas, como uma anti-propaganda da civilização, especialmente no meio artístico.
Werner Herzog é fruto disso.
Podemos tentar decifrar o "enigma de Herzog" meditando sobre o "enigma de Kaspar Hauser" e, quem sabe, podemos descortinar um pouco mais o "enigma de nós mesmos".
Assistam e deixem a semente da reflexão ser plantada livremente em sua cabeça.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

In Vino Veritas - Apresentação

Quadro: Vinho, de József Rippl-Rónai
Quadro: Vinho, de József Rippl-Rónai

Descendo as escadas da faculdade fui surpreendido pelo Vitor Lançoni e, em casa, posteriormente, pelo Bruno Lançoni, os responsáveis pelo projeto Lágrimas de Gasolina e Dedos Azuis, com um convite para escrever aqui.

Através de uma série de perguntas e uma explicação bem detalhada do projeto foi seduzido pela proposta e me foi lançado um desafio.

Sobre o quê escrever? Com o quê exatamente eu posso contribuir aqui?

Como eu tenho uma dificuldade enorme para me definir e me limitar a um tema específico, desde o dia da proposta até esse exato momento em que escrevo essa carta de apresentação me veio à mente muitas coisas. Mas não consegui me apegar a nenhuma delas.
Por ter um interesse múltiplo e multifacetado sobre política, religião, arte, cultura pop, cinema, música, filosofia e alta cultura eu simplesmente desisti de achar uma linha única do que escrever. Um indivíduo nunca é um monotemático, monomaníaco.

Um marinheiro de verdade não tem pátria, ele veleja em mares e as nações são apenas hospedagens.
 Ele, como sabiamente diz Raul Seixas, é um Universo em si mesmo.
Respeitando a sabedoria do velho roqueiro e do antigo marinheiro desisti de achar um único tema para minha participação aqui. O único critério de minhas publicações aqui é que serei totalmente honesto no escrevo, tentarei promover aqui o que chamo de "culto à sinceridade".

Dado isso nomearei minha participação aqui com o nome "In Vino Veritas".

In Vino Veritas é uma expressão latina muito conhecida, usada desde o império Romano, que significa “no vinho está à verdade”.

A "embriaguez" revela nossas mais profundas paixões e sentimentos. Tudo que tentamos esconder, maquiar e fugir. É isso que eu quero buscar. Quero buscar especialmente aquilo que está tentando fugir. Aquilo que está no subtexto, aquilo que está oculto, nas sombras. Em cada comentário que fizer de um filme, em cada comentário que fizer sobre política, haverá uma tentativa de revelar aqui, como se estivesse entorpecido, como se tivesse bebido todas, uma verdade, aquela que eu acredito e que me forma como um indivíduo.

Gabriel Vince